CARTOGRAFIA DO COMPORTAMENTO: ETNOGRAFIA DIGITAL E SOCIAL LISTENING

Resumo abrangente do episódio

Introdução e Tema Central:

A discussão aborda a importância de compreender o comportamento humano para negócios que buscam criar conexões autênticas com os clientes.

Ferramentas como antropologia visual, etnografia digital e social listening são destacadas como essenciais para captar sutilezas dos consumidores​​.

Integração da Abordagem Antropológica:

A convidada, Fernanda Bizarria, discute como a pesquisa de mercado tradicional foca nos comportamentos de consumo, mas uma abordagem antropológica oferece uma perspectiva mais ampla, considerando os vários papéis sociais dos indivíduos​​.

Antropologia Visual e Metodologia:

Fernanda explora como a antropologia visual é empregada para decifrar significados não verbais e preferências dos consumidores, utilizando imagens como objetos de estudo e dispositivos de pesquisa​​.

Significado do Nome da Empresa:

O nome da empresa, PS2P, é explicado como um acrônimo para 'unir propósitos a pessoas', refletindo a missão de identificar propósitos em grupos de pessoas relacionados a temas específicos​​.

Importância da Cultura Visual:

A relevância da cultura visual na construção da identidade de uma marca é discutida, enfatizando o papel dos designers em alinhar visualmente a mensagem da marca com suas intenções​​.

Social Listening e Estratégias em Tempo Real:

Fernanda descreve como o social listening permite que as empresas antecipem tendências e ajustem estratégias de comunicação, destacando a importância de uma ética rigorosa no processo​​.

Etnografia Digital e Análise de Comportamento Online:

A etnografia digital é comparada com a tradicional, com ênfase em suas vantagens, como a capacidade de observar grupos constantemente e entender subculturas emergentes na internet​​.

Descrição completa do episódio

Sonhadores e fazedores, bem-vindos ao Podbrand, o podcast sobre design, estratégia e inovação.

 

Sou Maurício Medeiros, mentor, consultor criativo em design estratégico e autor do livro

 Árvore da Marca – Simplificando o Branding.

 

Hoje abordaremos o universo da compreensão do comportamento humano, essencial para os negócios que aspiram à criação de uma conexão autêntica com os clientes.

 

A antropologia visual, a etnografia digital e o social listening são ferramentas que nos permitem captar as sutilezas e preferências implícitas dos consumidores.

 

Nossa convidada Fernanda Bizarria, fundadora da PS2P, Observatório de Comportamento e Cultura, traz uma rica experiência na transformação de observações em estratégias de negócio.

 

Ela é uma publicitária com mestrado em Sociedade e Cultura e tem uma trajetória profunda em decodificar a linguagem não verbal, descobrindo dados valiosos para marcas e organizações.

 

Prepare-se para uma conversa que vai ampliar sua percepção sobre as interseções entre cultura, comportamento e inovação.

 

Fernanda, bem-vinda.

 

Obrigada, Maurício.

 

Muito obrigada.

 

Muito bom estar aqui com você nesse espaço importante de diálogo sobre a marca, os papéis das marcas no mundo.

 

Então fico feliz de poder estar aqui.

 

Eu é que agradeço a aceitação do convite, uma alegria te ter hoje no Podbrandt, realmente a gente considera como um fórum de diálogo sobre as questões estratégicas, sobretudo com o viés do design e que repercute na marca, no branding, tudo aquilo que a gente vai abordar hoje.

 

Muito obrigado por estar hoje com a gente.

 

Entrando no tema, a compreensão das nuances culturais e comportamentais é um diferencial competitivo.

 

A abordagem antropológica vai além da superfície, revelando os valores e motivações subjacentes dos consumidores, permitindo que as marcas criem conexões mais profundas e significativas.

 

Então eu te pergunto, de que forma a integração de uma abordagem antropológica pode ajudar as marcas a se conectarem de maneira mais autêntica com o seu público?

 

Maurício, eu vejo assim, a pesquisa de mercado tradicional, ela vai para um olhar em que ela vai olhar muito para os comportamentos de consumo.

 

Então ela olha para as pessoas enquanto consumidores.

 

E aí é um recorte importante, muito válido, mas é um recorte limitado.

 

E o que uma abordagem antropológica vai fazer é olhar para as pessoas de uma perspectiva mais ampla.

 

Então aquela pessoa que é consumidora, ela tem outros papéis sociais.

 

Ela tem família, ela é uma profissional, ela tem uma história de vida, ela nasceu num determinado lugar, num determinado contexto cultural.

 

E aí todos esses outros papéis que também influenciam no comportamento daquela pessoa, em geral, quando você olha só da perspectiva do consumo, você perde toda essa riqueza.

 

Então o que uma abordagem antropológica traz é esse olhar mais amplo daquela pessoa na vida dela.

 

Então nos estudos que a gente realiza aqui, é claro que a gente olha para o consumo, mas para além do consumo, como é que é o dia a dia daquela pessoa, como é que ela vive, quais as dores, angústias, sonhos.

 

E aí eu entendo que quando a gente se conecta com as pessoas nesse nível, as relações tendem a ir para um lugar mais profundo.

 

É assim na vida da gente, se a gente tem uma amizade ali, a gente conhece muito a pessoa, a gente consegue ser mais relevante na vida daquela pessoa.

 

E da mesma forma, uma marca, uma empresa, uma instituição, se ela conhece aquela pessoa em profundidade, ela aumenta as possibilidades de se tornar relevante.

 

Em um mundo saturado de comunicação, captar os gestos e expressões não verbais dos consumidores pode desbloquear uma nova dimensão de insights.

 

Como a antropologia visual é empregada na sua metodologia para decifrar os significados dos sinais não verbais dos consumidores e descobrir preferências e comportamentos que não são explicitamente expressos.

 

Maurício aqui a gente vai usar a imagem a partir de dois prismas, então a imagem ela entra nos estudos ou como um objeto de estudo, né?

 

Então é olhar para as várias imagens produzidas e que circulam o tempo inteiro como um objeto que pode me contar a respeito daquela determinada cultura e o que está acontecendo em um determinado grupo.

 

E aí quando eu falo de imagem quanto objeto, pode ser assim praticamente tudo, então aqui a gente estuda propaganda, filmes, programas de televisão, a roupa das pessoas, como elas estão se vestindo, os objetos de uma casa, a arquitetura de uma cidade, os jardins de uma cidade, tem estudos clássicos aí na antropologia que vão olhar para os jardins ingleses, os jardins franceses, o jardim do século 17, o jardim do século 19 e como que cada um desses jardins diz daquela cultura.

 

Então a forma como a gente constrói os objetos tem muito a ver com os nossos valores e as categorias culturais que a gente tem em mente, e esse é um processo muitas vezes inconsciente, então quando a gente olha para os objetos, eles têm, gosto de dizer assim, que os objetos falam, né?

 

E aí a gente olha para eles para poder decifrar essa fala, então esse é um prisma e um outro prisma é usar a imagem enquanto dispositivo e ferramenta de pesquisa, e aí eu já estou falando de vídeo, de fotografia enquanto ferramentas de trabalho do pesquisador, que me permite entrar numa relação com aqueles sujeitos, com quem a gente está tentando conhecer, então vou te trazer aqui alguns exemplos, um exemplo da imagem enquanto objeto de estudo.

 

A gente fez um estudo alguns anos atrás para entender adolescentes, e uma das coisas que a gente fez foi fotografias das mochilas dos adolescentes, então assim, muito interessante, uma série de fotografias dessas mochilas, e aí isso permite a gente entender uma série de padrões, né?

 

O que se repete, o que não se repete, como que o estilo de mochila vai mudando de acordo com a idade, né?

 

Quando eles estão com 12 anos, quando eles estão com 17 anos, então você começa a entender uma série de elementos ali, que se você for perguntar, talvez você não vai nem ter capacidade de fazer aquela pergunta, e aí as possibilidades são infinitas, né?

 

Você pode olhar para a casa das pessoas, o quarto das pessoas, os objetos que elas têm.

 

Agora, em janeiro, a gente vai fazer um estudo para uma marca de colchões, e uma das abordagens que a gente vai fazer é ir na casa das pessoas conhecer os quartos, então olha que interessante, né?

 

Saber assim, onde que aquele colchão está colocado, quantas coisas que aquele ambiente pode nos dizer, pode nos contar, então uma coisa é essa imagem, né?

 

Enquanto objeto de leitura, e sobre outro aspecto que eu te falei, que é a imagem enquanto um dispositivo de relação, né?

 

Então eu vou levar um vídeo a campo, e eu vou gravar a minha conversa com aquela pessoa, também é um uso bem interessante, porque ele permite toda uma leitura que, se a imagem não estiver ali, eu não vou ter, né?

 

Uma leitura do gestual, da forma como a pessoa fala.

 

Algo que sempre me incomodou muito, enquanto pesquisadora, é que a gente vive experiências muito fortes no trabalho de campo, são experiências muito ricas, ainda mais nesse tipo de trabalho que a gente faz, em que a gente vai na casa das pessoas, onde existe uma imersão muito profunda, e por mais que a gente fosse hábil em tentar trazer isso para um relatório, nunca era suficiente toda aquela carga emocional que a gente viveu num trabalho de campo, a gente não conseguia trazer aquilo para um formato relatório.

 

O relatório é muito racional, por mais que eu possa usar a palavra de outro jeito, né?

 

E aí ter ali a filmagem permite que outras pessoas tenham acesso a toda aquela carga emocional que a gente tem num trabalho de campo.

 

Fora a roupa da pessoa, o ambiente onde ela está, tudo isso está ali, comunicando.

 

Então o vídeo, enquanto esse dispositivo de pesquisa, é algo que a gente utiliza muito, e mais recentemente, de 2013 para cá, a gente começou a experimentar muito também com processos de autoetnografia, em que a pessoa, ela utiliza esses dispositivos para ela documentar ali a vida dela.

 

E isso, na verdade, eu comecei já há alguns anos atrás, quando eu estudei na Espanha num curso que era de estudo sobre a cultura visual, um trabalho que eu fiz ali foi com comerciantes árabes no bairro do Raval, em Barcelona, e aí eu dei para eles câmeras Polaroids, para eles levarem para casa e produzirem fotografias do seu dia-a-dia.

 

E aí é interessante, porque eu, enquanto uma pesquisadora mulher e de outro país, eu nunca teria acesso à casa daquelas pessoas, e através daquele dispositivo, eles produziram uma série de fotografias, que abriu toda uma via para um entendimento mais delicado ali do dia-a-dia deles, e isso, nos estudos da PS2P, desde 2014, a gente vem incorporando o WhatsApp, é uma mega ferramenta de pesquisa para a gente estar o dia inteiro com as pessoas, então algo que a gente faz muito são os diários, que já é um método antigo em pesquisa, você tem diário de consumo sendo utilizado nos Estados Unidos desde a década de 50, mas o que a gente faz aqui é colocar isso na mão das pessoas e ficar ali o dia inteiro com elas, então tivemos estudos aqui sobre as rotinas de beleza das mulheres, em que elas iam gravando os cuidados de beleza dia-a-dia, e quem faz a mediação nesses diários, a gente convida profissionais da psicologia para fazer essa mediação, e aí a conversa começa a ir para níveis muito profundos, então a gente tem vídeos das pessoas a hora que elas acordam, relatando um sonho que ela teve à noite, então a imagem também, enquanto esse dispositivo, para a própria pessoa que está participando da pesquisa, produzir o seu relato é muito interessante, você dá essa ferramenta, e aí é um relato muitas vezes, mil vezes mais potente do que aquele que o próprio pesquisador faz.

 

Eu tive uma experiência um tempo atrás, de uma das marcas que fazia parte do portfólio que eu era diretor criativo, num grupo de varejo na Ásia, e fizemos uma série de pesquisas com diferentes técnicas em relação a uma dessas marcas, e uma delas foi justamente este diário imagético, então por duas semanas, uma série de consumidoras, na verdade uma série de pessoas, mulheres, não clientes da marca, ainda não consumidoras da marca, que relataram diariamente, durante duas semanas, o outfit delas, como é que elas estavam vestidas, maquiadas, e qual a ocasião que justificava aquela produção, o que é que elas iriam fazer.

 

Então conseguimos construir, por esta análise, uma boa proximidade do perfil dos critérios que fazem essas mulheres escolherem uma determinada roupa, um determinado calçado, neste caso a marca era de calçados, e associamos inclusive outras técnicas, para não se basear exclusivamente nesta, para fechar melhor o resultado da pesquisa, e também com consumidoras, e avaliar de forma comparativa entre aquelas que ainda não consumiam a marca, e daquelas que já consumiam, enfim, eu acho incrível esse trabalho que você exerce, uma curiosidade, qual é o significado do nome da sua empresa?

 

Interessante, o nome da empresa é uma sigla, PS2P, é uma sigla que significa unir propósitos a pessoas, num determinado momento, a gente foi entendendo que o objetivo maior do nosso trabalho, deveria ser identificar quais os propósitos que existe ali, num determinado grupo de pessoas, com relação a um determinado tema, então mais do que entender qual produto alimentício aquela pessoa quer comprar, qual o propósito daquela pessoa com relação à alimentação, que combina com o propósito de vida, com a visão de mundo, a gente entende que seria, e deve ser bem mais potente se comprometer com esse propósito, se conectar com esse propósito, do que só com o fornecimento ali de um produto.

 

Muito bem, a cultura visual engloba tudo que podemos ver e interpretar em nosso ambiente, desde arte, publicidade, as mídias sociais, a moda, exemplos que tu deste também, qual a relevância da cultura visual na construção da identidade de uma marca e como isso se reflete no comportamento do consumidor.

 

Eu penso que é total, né Maurício, e aí pra mim entra muito o trabalho dos designers, o que eu percebo é que se há um desalinhamento entre aquilo que a marca quer dizer e a forma como ela se expressa visualmente, aquilo ou não vai gerar uma conexão com o consumidor final ou ele vai perceber as coisas de maneira meio manca ou torta, e as pessoas percebem isso, né, então assim, aquela mensagem não chega.

 

Nós profissionais da área de pesquisa, o que a gente faz é entender as percepções vigentes, agora, esse manejo da linguagem visual, eu vejo muito como a grande especialidade dos designers, e se ela não acontece, a marca não chega aonde ela precisa chegar, né, então admiro muito o trabalho dos designers, e tenho uma parceria muito grande com eles por conta disso, eu vejo que o trabalho de pesquisa, ele se completa na hora em que a marca consegue levar aqueles valores de forma consistente para as pessoas com quem ela quer se relacionar.

 

O Júlio Alves esteve aqui com você, né, num dos episódios, e é um dos profissionais que eu vejo que faz isso assim, de uma maneira muito especial, que é construir esse alinhamento.

 

Na metodologia dele, né, ele fala da plataforma de marca, e que é preciso, ele até colocou o nome, né, de mil, mensagem, imagem, linguagem, que é preciso cuidar da mensagem, que é a palavra verbal, mas é preciso cuidar também da imagem, que é a forma como a marca se expressa, e cuidar dessa linguagem, que é o jeito que essa marca se relaciona, se isso não tiver alinhado, essa percepção não vai acontecer, e o que eu percebo é que a gente é uma sociedade que tem muita facilidade para falar da mensagem, né, o que eu quero dizer, ok, mas na hora da imagem, assim, não há um letramento visual.

 

A gente vê isso nas escolas, né, tem um filho de 13 anos, e ele tá lá na escola aprendendo a escrever, a fazer uma redação, a se expressar através da linguagem escrita, mas eu não vejo ainda uma educação para essa linguagem imagética, que deveria ser fundamental, né, num mundo em que circulam tantas imagens, então, assim, por isso daí talvez essa grande dificuldade das marcas de querer comunicar algo, mas ela não tem aquele código visual que permite comunicar isso dessa maneira, isso eu vejo, assim, a grande especialidade dos profissionais de design, né, com uma sensibilidade muito grande para o campo da imagem, com muito conhecimento para isso.

 

Com o advento da internet, das mídias sociais, o social listening é uma ferramenta estratégica essencial nesta era digital, permitindo que as marcas monitorem conversas em tempo real, ajustando suas estratégias para se manterem relevantes.

 

Você poderia explicar como o social listening permite as empresas antecipar tendências e adaptar suas estratégias de comunicação em tempo real?

 

Sim, antes disso, assim, só fazer um parênteses, né, Maurício, assim, da importância da ética, né, no trabalho de pesquisa, a gente, nesse trabalho de leitura de comportamento, assim, a importância da gente garantir essa ética, entender que a gente está pesquisando não para manipular, mas para aproximar as ofertas de produtos e serviços daquilo que é a real necessidade das pessoas, e esse deve ser o nosso grande guia, inclusive nesse trabalho todo, assim, de etnografia digital, a gente tem muitos cuidados, assim, na hora que a gente vai, então, pesquisar uma determinada comunidade, uma comunidade online, e a gente entra naquela comunidade, a gente faz questão de dizer que está ali, e o que está fazendo ali, para que as pessoas tenham consciência do que está acontecendo, então, antes de entrar nesse tema, assim, né, é importante colocar essa ética, porque o bom uso que a gente faz das ferramentas que a gente tem é que vai garantir que a gente continue tendo acesso a elas, né, as pessoas não são bobas, né, nem manipuladas, não se sintam invadidas, sim, sim, mas é uma ferramenta, eu considero uma ferramenta fantástica, quando eu comecei a ver o crescimento de redes sociais e as pessoas colocando tantas questões ali nas redes, né, eu, enquanto pesquisadora, achei incrível, as pessoas estão falando espontaneamente, eu gosto de escutar o mundo, então, que bom poder escutar o mundo através, constantemente, através dessas plataformas, acho que o que o social listening pode trazer para nós é essa escuta constante, né, essa possibilidade de o tempo inteiro estar escutando um grande volume de pessoas falando espontaneamente, que é outro aspecto, né, porque na pesquisa de mercado tradicional, em geral, a gente chega com perguntas prontas ali para as pessoas, e no social listening as pessoas estão se expressando espontaneamente, livremente, e isso permite que a gente tenha acesso a certas leituras, que a princípio, se você chegasse com uma pergunta, você não teria, a sua própria pergunta, ela limita, né, um campo de respostas, então, o social listening, para mim, é essa grande vantagem da espontaneidade, assim, as pessoas estão ali falando livremente, a possibilidade de uma escuta constante, de um grande volume de comentários, enfim, toda essa produção que as pessoas fazem nas redes sociais, eu considero riquíssimo, e esse olhar constante, acho muito interessante também, porque muitas vezes, na pesquisa de mercado tradicional, você pode escutar o consumidor uma, duas, três vezes ao ano, ali, você está escutando o tempo inteiro.

 

Essa é uma técnica que ela é dedutiva e não indutiva, né?

 

Isso mesmo, e a riqueza que vem disso, né, assim, a gente tem alguns estudos aqui interessantes, em 2015, logo quando a gente descobriu essas ferramentas, a gente ficou muito empolgada com isso, e fizemos um estudo sobre alimentação, no social listening, e aí a gente monitorou a palavra comer, alimento, então, assim, tema muito amplo, né, o que as pessoas estão falando sobre comer, comida, alimento, e juntou que tinha uma ferramenta que a gente contratou na época, que eles deixaram a gente ficar coletando infinitamente, e essas ferramentas são caras, né, mas por algum motivo, eles deixaram a gente ficar coletando durante muito tempo, e a gente coletou três milhões de dimensões sobre o tempo, e foi um trabalho riquíssimo, porque além desse olhar quantitativo, que a ferramenta te ajuda a fazer, a gente também foi fazer um olhar qualitativo, do que que tava sendo discutido, em que contexto, quais imagens associadas àquelas falas, e a gente descobriu coisas muito interessantes desse olhar.

 

Uma das coisas que a gente, quando olhou pra esse volume de informação, a gente falou, vamos pesquisar os momentos de consumo, né, então os momentos de alimentação do dia a dia, o que que as pessoas falam de café da manhã, o que que elas falam do almoço, do jantar, e olha que interessante, a gente descobriu um novo momento de alimentação, que era a madrugada.

 

Então, assim, com a nossa cabeça limitada, a gente nunca ia pensar que madrugada era um momento de alimentação, mas tinha uma série de adolescentes ali, conversando sobre se alimentar na madrugada, então é algo que só um dado espontâneo consegue te oferecer, né, fruto de uma observação.

 

E outra coisa interessante que a gente viu nesse momento, é que nessas conversas da madrugada, tinha uma série de adolescentes falando sobre como era difícil comer durante a noite e abrir um pacotinho de batata frita, e não acordar a casa inteira.

 

É ótimo, e é verdade.

 

Mais de uma pessoa falando isso, assim, então olha que interessante, quando que você descobriu um detalhe desse, né, assim, que tem a ver com o design do produto, com o tipo de embalagem.

 

Essa ferramenta que tu mencionaste, ou as ferramentas disponíveis, quais são os softwares que estão no mercado, que atendem a análise, captação e análise de informações das mídias sociais, que não são as próprias mídias sociais?

 

Maurício, ótima pergunta, e tem a ver até com algo que eu queria trazer aqui.

 

Primeiro de falar, assim, que o que eu percebo, lá pra 2014 eu via muitas ferramentas.

 

Acho que era aquele primeiro momento de desenvolvimento, então tinha vários profissionais da área de tecnologia desenvolvendo isso, então tinha ferramentas na Inglaterra, nos Estados Unidos e brasileiras também.

 

Agora eu não vou me lembrar o nome, mas tinha uma ferramenta incrível do pessoal aqui de Belo Horizonte, criada dentro do Departamento de Ciência da Computação, da UFMG, e uma ferramenta desenvolvida por e para pesquisadores, assim, que era uma ferramenta maravilhosa.

 

Ao longo do tempo, o que que eu vejo que foi acontecendo?

 

Essas empresas foram sendo compradas por outras e o número de ferramentas foi diminuindo, e aí a tendência foi virar grandes ferramentas de grandes empresas globais, e essas grandes ferramentas das grandes empresas globais, elas não atendem só ao campo da pesquisa, elas vão atender também às marcas que querem interagir com seus consumidores no dia-a-dia, então elas são muito usadas pra mapear quem está falando de uma determinada marca, pra que a marca possa ir lá e interagir com aquela pessoa, ou mapear as interações dentro da própria rede de uma marca, que é algo importante, é fundamental, mas nós pesquisadores ficamos, assim, um tanto quanto a pé de ferramentas, eu te digo isso hoje, então assim, não vou citar nomes, mas existem aí três a quatro grandes ferramentas que todo o mercado conhece, quem digitar no Google vai achar rapidinho, mas eu vejo elas muito limitadas pro trabalho de pesquisa, e um outro ponto, que aí não tem a ver só com elas, mas tem a ver com as próprias redes sociais, é que ao longo do tempo essas redes sociais foram diminuindo as possibilidades de leitura dos dados que são colocados ali, então as APIs das redes sociais, elas foram cada vez mais limitando, limitando, esse estudo que a gente fez em 2015, a gente não faria hoje, porque Facebook não libera seus dados, Instagram só te deixa pesquisar hashtags, quem usa hashtags, né, não é todo mundo, então você tem um mundo de conversa que se perde, TikTok ainda não abriu pra esse tipo de leitura, então hoje o que a gente tem, assim, é unicamente o Twitter, e olhe lá que daqui a pouco ele tá fechando, então, e aí eu considero, assim, um grande desserviço das redes sociais, que aquilo é pra ser um campo de diálogo, então na medida em que eu consigo ler o que tá sendo produzido ali, eu consigo dialogar mais, mas eles guardam esses dados pra eles, né.

 

Isso ocorreu fortemente depois do case da Cambridge Analytica, a própria Facebook pagou uma multa de milhões e milhões de dólares por conta desta situação, foram 55 milhões de pessoas que foram utilizados dados em tese, sem que o Facebook tivesse noção, enfim, mas eram abertos, estava no API deles e, enfim, a Cambridge acabou utilizando esses dados em vários países.

 

É, Maurício, eu acho, assim, que é um debate que precisa vir à tona, porque, assim, eles fecham os dados, porém, eles continuam utilizando, e de que maneira, com qual propósito, comercializando esses dados, então poderia haver um outro tipo de acorde envolvendo quem produz o dado, que são as pessoas que estão usando as redes sociais, e que elas possam optar por querer deixar aquilo aberto, dependendo do tipo de uso que for ser feito praquilo, porque a possibilidade de leitura de opiniões que essa ferramenta permite, ela é muito rica, você consegue adicionar muitas camadas ao debate público, e hoje o que eu vejo, assim, é que muitas pessoas, o que elas escrevem ali nas redes, elas estão se manifestando, e acredito que elas gostariam que essa manifestação delas fosse escutada, fosse ouvida, considerada, então seria interessante esse debate, né, em torno de...

 

É, basta tudo isso ser conduzido por um código de ética que preserve limites, mas que possa liberar o acesso, né, pra que se faça um uso positivo desse conteúdo, é que pras redes de mídias sociais, eles rentabilizam muito mais vendendo a informação para as empresas do que para empresas de pesquisa, empresas de produção de consumo, de produtos de consumo, eu digo, Procter & Gamble, Nestlé, enfim, todas as grandes corporações globais.

 

Entender as interações online, aprofundando um pouco mais dentro desse tema, pode revelar padrões de comportamento e preferências dos consumidores que são invisíveis em ambientes offline, de que forma a etnografia digital difere da etnografia tradicional, e quais outras vantagens além das que tu já citou, ela oferece no contexto de análise do comportamento online.

 

Primeiro, assim, Maurício, dizer que eu sou muito defensora da combinação de métodos, assim, nunca, e você trouxe isso um pouco também numa fala sua, então assim, nunca eu vou achar que uma única metodologia vai ser capaz de entregar uma leitura complexa, então acredito muito em ser utilizado junto, mas que cada ferramenta de pesquisa, cada metodologia vai te dar uma grande vantagem, assim, e no caso da etnografia digital, que eu vejo muito essa questão da temporalidade, de permitir uma temporalidade de contato maior com alguns grupos que você tá investigando, então um pesquisador que vai a campo fisicamente, ele tem um limite ali do tempo dele, ele pode ficar um tempo com aquele grupo, mas ele vai ficar o quê, um mês, dois meses, um ano, e o que eu vejo que acontece na etnografia digital é a possibilidade de conviver constantemente com vários grupos, e então eu participo de várias comunidades no Facebook, que são ativas em debates sobre temas como alimentação, beleza, e tem algumas que eu tô ali há mais de quatro anos, mas isso não seria possível se fosse uma inserção física ali, né, então essa possibilidade de um acompanhamento constante do debate é muito interessante, um caráter menos invasivo, eu diria, né, assim, se eu tô fisicamente ali com a pessoa, de alguma maneira essa minha presença pode ser um pouco invasiva, e se eu tô num grupo, aquela pessoa escolhe o que ela quer mostrar, o que ela quer publicar, de forma espontânea, então também seria uma outra vantagem.

 

Certo.

 

A internet, ela é um terreno fértil para o surgimento de subculturas, cada uma com seu próprio conjunto de normas e valores.

 

Como a PS2P utiliza a etnografia digital para entender estas subculturas emergentes na internet e seu potencial para as marcas?

 

Muito nesse trabalho orgânico de ir entendendo os grupos existentes, de ir aprofundando nas conversas que existem dentro desses grupos, e aí, assim, eu acho que as comunidades, elas nos ajudam muito, né, já existem comunidades formadas, seja grupos de WhatsApp, debatendo sobre um determinado tema, ou falando de um determinado estilo de vida, as comunidades de Facebook, que apesar de ser uma rede aí mais antiga, ela ainda tem uma vida forte ali, né, muitas vezes as comunidades que surgem em torno de um determinado influenciador ou influenciadora, né, às vezes aquele influenciador, ele oxigena um debate, que você tem acesso àquela comunidade que está ali junto com eles, então é muito de ir mergulhando.

 

Tenho que te contar um exemplo prático que acho que talvez vai ajudando.

 

A gente estuda comportamentos com relação à beleza já há bastante tempo também, desde 2014, é um tema recorrente aqui, e eu vejo que a gente foi aprofundando a partir da combinação de vários métodos digitais.

 

A primeira coisa que a gente fez nessa perspectiva de entender a relação da mulher brasileira com a beleza, no digital, foi um social listening grande lá em, isso foi em 2014, e nessa época os dados que você tinha disponíveis, as grandes estatísticas sobre a relação da mulher com o cabelo, falavam que 62% das brasileiras queria ter o cabelo liso.

 

E aí nessa época a gente rodou um social listening que em dois dias a gente coletou 52 mil postagens sobre cabelo, e daquelas 52 mil postagens, mais ou menos 45% tinham a ver com conversas sobre cabelos naturais, crespos, cacheados.

 

E aí a gente foi entender que conversa era essa, eram mulheres dizendo do desejo de ter o cabelo natural, do desejo de ter o cabelo cacheado, do desejo de ter o seu cabelo crespo.

 

A gente foi entender mais a fundo esse movimento, e viu que existiam comunidades no Facebook, grupos de apoio para mulheres que estavam querendo passar por um processo de transição capilar para ter seu cabelo natural, depois de anos e anos alisando o cabelo.

 

A gente olha para esse movimento, entra nessas comunidades, e aí é importante dizer que nessa época a gente tinha pesquisadoras na nossa equipe que estavam passando por esse processo também, que é outra coisa que eu penso que é muito interessante quando o pesquisador tem uma afinidade com aquele tema de estudo, porque essa subjetividade do pesquisador a gente não afasta, muito pelo contrário, a gente quer trazer.

 

É um sujeito que pesquisa, e se aquele sujeito tem uma afinidade com o tema, é muito interessante.

 

Então essas pesquisadoras passaram ali mais ou menos quatro meses nessas comunidades entendendo as interações, entendendo a jornada pelas quais aquelas mulheres passavam, e foi um estudo riquíssimo.

 

E a gente viu que aquilo era algo que estava mexendo muito com as mulheres que passavam por esse processo, principalmente no momento de abandonar a química, algumas raspam o cabelo para poder ver nascer o novo cabelo, e a gente achou aquilo um processo muito intenso, e a gente começou a fazer alguns diários com essas mulheres, acompanhando diariamente o que acontecia nessa jornada de transição.

 

E aí são ali vários micromomentos, pequenas dores, grandes transformações emocionais, algo assim de uma riqueza imensa.

 

E nesse mesmo estudo depois a gente começou a entrar em comunidades que tinham a ver com outros temas com relação a cabelo, então por um outro lado, comunidades de um projeto Rapunzel, que são mulheres que querem ficar com o cabelo longo, e aí já eram outros tipos de questões, de necessidades.

 

Eu particularmente acompanho muito comunidades de mulheres de cabelos grisalhos, é um mundo muito interessante também de citar ali e de ver o tipo de profundidade da discussão que acontece ali.

 

Interessante, eu me sinto Neanderthal, homem das cavernas nisso, porque eu não participo de comunidade nenhuma.

 

A semiótica, o estudo dos sinais e símbolos e sua interpretação é uma ferramenta-chave na compreensão do consumidor.

 

Poderia explicar como a semiótica é utilizada para decodificar os comportamentos de consumidores e suas implicações para as estratégias de marketing?

 

Maurício, mais uma vez eu vou marcar esse ponto da combinação de métodos, então ela entra como mais uma das estratégias de pesquisa, mais uma das metodologias que vai permitir a gente um olhar complexo, um olhar abrangente, mas a semiótica ela vai falar desse estudo dos signos e da produção de significados na cultura, e a gente utiliza muito convidando profissionais que trabalham com estudos de semiótica para nos ajudarem a compreender como que o significado de determinados objetos vem mudando ao longo do tempo, ou o significado de determinados temas vem se transformando, e é uma ferramenta muito interessante.

 

Vou te dar alguns exemplos também.

 

A gente realizou há alguns anos um estudo sobre alimentação, sobre as mudanças nos hábitos alimentares, e uma coisa que a gente fez foi convidar uma equipe que trabalha com estudos de semiótica para trazer esse olhar para a gente de como o significado de indústria estava se transformando, de indústria alimentícia, e aí foi feita toda uma pesquisa histórica das campanhas da indústria de alimentos, desde quando essa indústria surge no pós-guerra até o momento atual, e aí a gente foi acompanhar, e junto com isso, um levantamento em periódicos, em jornais, do que era dito a respeito da indústria alimentícia, e aí é muito interessante, porque você vai acompanhando desde o pós-guerra qual que era o significado, como que as primeiras indústrias alimentícias começam a construir o significado de um alimento industrializado, como que aquilo é recebido pela sociedade, depois, mais para frente, nos anos 80, período em que no Brasil a mulher começa a ir para o mercado de trabalho com muito mais força, vem a indústria com outras propostas de praticidade, como que ela propõe isso, com que tipo de proposta, como é que a sociedade recebe isso, então é muito interessante acompanhar como que o significado de algo vai mudando ao longo do tempo.

 

Nos estudos de beleza também, num dos estudos de beleza que a gente fez, a gente convidou uma equipe para fazer um olhar sobre o padrão de beleza da mulher brasileira a partir do rosto das protagonistas de telenovelas, então fomos pegando desde as primeiras telenovelas quem eram as protagonistas, que padrões isso me conta, quando que esse padrão começa a ser abalado, por que ele é abalado, qual que é a repercussão que isso gera, então é uma ferramenta muito interessante para entender significados ao longo do tempo, essa abordagem sócio-histórica também ela é muito importante, o significado de algo hoje não é dado natural, ele tem a ver com uma história e entender essa história e como nós chegamos até aqui é fundamental para entender também o por vir, o que vai vir aí para frente.

 

São disciplinas sinérgicas que trazem essa soma de resultados, é um assunto maravilhoso, simplesmente sou entusiasta do teu ramo de atividade, do teu segmento de negócios.

 

Nós entramos agora no pinga-fogo, são três perguntas que eu faço a todos os convidados.

 

A primeira delas, quais são as virtudes do empreendedor de sucesso?

 

Maurício, eu percebo assim, pelos que eu já pude acompanhar mais de perto, eu percebo que duas grandes virtudes é uma capacidade de mudança, capacidade de realizar mudanças junto com uma capacidade de adaptação, porque para uma empresa chegar onde ela planeja chegar, essa empresa vai ter que se transformar mil e uma vezes, e para ela conseguir seguir acompanhando as mudanças sociais que acontecem e se conectando com as demandas das pessoas, ela vai precisar se mudar constantemente, e aqueles empreendedores que eu já pude observar mais de perto eu entendi que eles construíram essa capacidade de mudança dentro deles primeiro, essa capacidade de adaptação, foi algo que eu percebi em uma pessoa, e eu até falei isso com ele, a empresa dele foi mudando muito, saiu de um estado X para outro, completamente diferente, e eu percebi que ele precisou se transformar muito para que isso acontecesse, e foi algo que eu falei com ele, o tanto que sua empresa se transformou é o tanto que você se mudou também, então eu penso que essa capacidade de transformação do líder e que ele vai transmitindo isso para a organização inteira e liderando essa mudança, então vejo essa virtude assim como muito presente.

 

O que diferencia os sonhadores dos fazedores?

 

Boa pergunta, viu, assim, o fazer, né, mas eu acho que tem algo mais, tô brincando aqui, eu penso assim que tem um amor pelo real e pela realidade, porque na hora de levar um sonho para a realidade, que é o que os fazedores fazem, todos os fazedores têm um sonho, isso eu penso assim, a dimensão do sonho tá ali também, ela é o que dá o gás para o fazer, mas para que você não fique só no sonho e vá para o fazer, precisa ter um amor pelo real, ele tem que ser maior do que o amor pelo seu sonho, que às vezes o seu sonho tem muito de ilusão ali, e na medida em que você leva aquilo para a vida real, a vida te confronta, às vezes não vai ser aquilo que você imaginava, eu vejo isso muito acontecer nas empresas, elas lançam um produto, um serviço, e os consumidores recebem aquilo às vezes de uma maneira que não foi planejada, não era o que se esperava, e aí tem gente que se frustra e fica ali tentando, batendo aquela tecla do seu sonho, e tem outras pessoas não, que tem uma abertura e um amor mesmo para aquilo que tá acontecendo, né, olha que interessante, as pessoas receberam isso de outra maneira, e esse dado da realidade vem complementar o meu projeto, então eu penso que os fazedores têm muito esse amor pelo real, e é essa conexão com o real que fazem com que eles sigam adiante, e esse real alimenta o sonho, né, na medida em que você vê como que as pessoas estão recebendo aquilo, aí você se conecta com o sonho das outras pessoas para alimentar o seu também.

 

Perfeito, e a última, o que é design?

 

O que é design, assim, eu não sou designer, apesar de ter uma convivência intensa com vários designers, eu penso que são disciplinas, assim, muito afins, né, a pesquisa e o design, e a vida inteira tive uma colaboração muito especial com os profissionais de design, e com o Júlio Alves, com quem eu trabalho muito constantemente, é uma parceria forte, né, eu não vejo, porque eu penso que a gente, da pesquisa, a gente entende e traz elementos para o que o design vai construir depois, e para mim, o design, ele tem a ver com uma intenção, Maurício, assim, aí tô falando fora de qualquer teoria, mas pra mim o design, eu resumiria assim, é um desenho com uma intenção, não é um desenho gratuito, assim, eu não vejo os designers projetando algo porque eles querem, ou porque sim, vejo os designers muito imbuídos desse porquê, por que que eu tô desenhando algo, muito imbuídos de entender quem é que vai usar aquilo, pra poder fazer o melhor desenho possível, então eu definiria assim, um desenho com uma intenção, e acho que isso explica porque que são áreas que têm uma afinidade tão grande, acho que a gente, profissional da pesquisa, tem esse papel de entender e de elevar, assim, o nível dos porquês com os quais os designers trabalham, e os designers têm pra nós, assim, esse papel de dar o desenho, de dar a solução que já tava ali em embrião, naquilo que a gente viu, quando a gente participa de um trabalho de campo, tem algo ali em embrião, que pode nascer, e quem consegue dar a forma disso são os designers, então eu sou absolutamente fã, assim, dos profissionais dessa área, gosto muito.

 

Muito bem, nós entramos agora em uma das sessões mais apreciadas, que é a indicação de leituras.

 

Quais livros impactaram a sua trajetória?

 

Nossa, muitos livros, Maurício, muitos, é até difícil responder, mas fiz uma seleção pra trazer aqui hoje, a gente falou muito aqui, né, de netinografia, de pesquisa digital, tem um livro que chama Netinografia, realizando pesquisa etnográfica online, do Robert Cozinetes, é um livro de 2014, ele é uma espécie de manual, ele não é nem um livro tão profundo, mas eu vejo que o valor dele foi de ser um dos primeiros a tratar sobre esse tema, de uma forma simples, e quase que um primeiro manual pra quem quer entrar nesse mundo.

 

Eu penso que todas as pessoas que em 2014 estavam querendo experimentar com etnografia digital tiveram acesso a esse livro, então acho que é um bom começo.

 

Um outro livro que me formou muito e que impactou muito minha trajetória é um livro que chama Dialética do Olhar, o Projeto das Passagens, de Walter Benjamin, é um livro da Susan Bookmore, que é uma filósofa americana, e ela vai nesse livro recriar um livro que nunca foi escrito pelo Walter Benjamin, Walter Benjamin um filósofo judeu-alemão, e viveu em Paris durante a Segunda Guerra Mundial, e ele em fuga para a Espanha, ele morre durante essa fuga e ele não conclui um dos trabalhos de pesquisa que ele estava realizando, que era um projeto para entender a cultura e a sociedade de massas a partir do que ele via em Paris.

 

Mas o que fica disso são os arquivos desse pesquisador, e esses arquivos eram fotografias, citações, imagens, propagandas, fotos de galerias, e o que a Susan Bookmore vai fazer é recriar esse livro a partir dessas imagens, e é um trabalho muito bonito e para mim impactou enquanto pesquisadora, porque é isso de como as pequenas imagens nos contam a respeito de uma determinada cultura, o que o Walter Benjamin estava lendo ali naquela Paris da década de 30, explica muito do que a gente vive hoje, e entender que aquele embrião de entendimento estava numa imagem, foi algo muito forte para mim.

 

É um livro que eu recomendo, porque não é um livro acadêmico, ela escreve para qualquer pessoa que tenha, apesar de muito profundo, mas ela escreve para qualquer pessoa que tenha interesse no tema, então esse é um livro que me formou muito, mas você falou que podia indicar mais, né, então eu também trouxe três indicações aqui dos que eu estou lendo agora, que aí, para mim, os que eu estou lendo no momento são, em geral, os mais fortes, os que eu estou ali me conectando mais, eu tenho esse hábito de ler mais de um livro ao mesmo tempo, Maurício, eu acho que vem do signo de gêmeos, então eu vou transitando entre um livro e outro, e os que eu estou transitando agora, tem um que eu estou gostando muito, estou lendo aqui no Kindle, ele chama A Visão Sistêmica da Vida, Uma Concepção Unificada e Suas Implicações Filosóficas, Políticas, Sociais e Econômicas, é um livro do Fritos Capra, do Pierre-Louis de Louise, o Capra é esse físico, né, que escreveu o Tal da Física, o Ponto de Mutação, livros muito famosos, e ele se junta com esse químico para falar, para fazer um grande livro que resume parte da obra dele sobre o pensamento sistêmico, então é um livro que vai falar do pensamento sistêmico como um caminho de solução para as dificuldades que a humanidade enfrenta hoje, e vai falar muito da crise que a gente vive, enquanto um resultado de uma visão de mundo, mecanicista, redutora, que é essa visão que vem aí a partir da ciência do século 17, e que vai trazer uma visão de mundo, e uma metáfora de mundo, enquanto mundo, enquanto uma máquina, uma engrenagem, e que caberia ao homem dominar essa máquina, dominar essa engrenagem, eles vão dizer assim que a crise que a gente vive é uma crise de percepção, que é essa percepção de mundo que nos leva onde estamos hoje, e que para que ocorram mudanças a gente precisa voltar a uma visão sistêmica de mundo, que é entender que a Terra é um grande organismo vivo e interligado, que estamos todos conectados, e que o ser humano é mais um dos elementos dessa teia da vida, e que a gente precisa voltar para esse lugar.

 

Então é um livro muito bonito, estou gostando muito de ler, e eu penso que tem muita afinidade com as empresas, porque essa visão mecanicista, redutora, ela está dentro das empresas, numa visão departamentalizada, ou numa visão que olha só para os aspectos financeiros, econômicos, e não consegue abranger e olhar para um todo.

 

Então é um livro muito especial, que eu recomendo muito, e os outros que eu estou lendo no momento, esse aqui, então A Queda do Céu, Palavras de um Xamã, Yanomami, é o livro do Davi Kopenawa, que é essa grande liderança Yanomami, escrito em colaboração com o Bruce Albert, que é um antropólogo que trabalha com eles já há vários anos, e esse livro eu recebo ele assim como uma grande devolução do olhar.

 

A nossa sociedade é uma sociedade que está o tempo inteiro querendo conhecer o outro, pesquisar o outro.

 

Quando eu falo a nossa sociedade, é a sociedade ocidental, branca, e o que o Davi vem nos dizer aqui nesse livro é assim, tá, deixa eu contar o que eu vejo de vocês, e deixa eu contar o que eu acho que a ação de vocês, o que eu percebo que a ação de vocês está fazendo com o mundo.

 

Então ele vai contar assim da história dele desde criança, os primeiros contatos dele com o mundo dos brancos, e é muito interessante ver o que ele diz de nós.

 

Então é um livro que eu recomendo pra expandir essa percepção de quem somos nós.

 

E um último livro que eu tô lendo nesse momento, esse aqui me foi indicado por um amigo e uma amiga, é um livro que tá até comigo aqui emprestado, mas que eu tô gostando muito, desfrutando muito, uma bibliografia que tá em inglês.

 

Então Sacred Commerce, os negócios como um caminho pro despertar.

 

É um livro interessante que conta da experiência desse café Gratitude, é um café que existe em São Francisco, então é um negócio real, e eles vão contar como eles trabalham a experiência das pessoas que frequentam esse café, porque eles querem que esse café seja um ambiente onde as pessoas se sintam muito bem, e onde elas se sintam energizadas e tenham essa experiência de se sentir gratas por estarem ali.

 

E pra fazer isso eles têm uma série de práticas de cuidado com o time que trabalha com eles, e aí eles descrevem de uma forma muito bonita todas essas práticas de cuidado e os valores que guiam essa empresa, e é interessante porque não é uma empresa que joga fora a perspectiva do lucro, não, é uma empresa rentável, que vem crescendo, é próspera, mas eles não colocam o lucro como objetivo final, o lucro é uma forma de fazer com que aquele negócio dê certo, e que seja bom pra quem frequenta, e bom pra quem trabalha ali.

 

E um caso assim muito prático, então eu recomendo esse livro pra entender práticas de cuidado dentro das organizações, e como as empresas podem ter um pensamento mais amplo assim, de claro pensar no resultado financeiro, mas que esse resultado venha a favor de uma melhor vida pra todas as pessoas.

 

Excelente lista de indicações, e pra facilitar o acesso de todos que nos assistem, nós disponibilizamos os links desses livros diretamente na descrição.

 

Além disso, eu convido vocês a explorarem na sessão livro no site podbrand.design, lá nós reunimos uma curadoria com mais de 250 livros recomendados por nossos convidados, não deixem de conferir, o link também se encontra abaixo na descrição.

 

Muito bem, me despertou muita curiosidade e intelectual esses livros que tu recomendaste.

 

Indo pro final, eu trago ainda a pergunta da Caroline Garrafa, ela é fundadora da Sonté, que é uma empresa inovadora em consultoria em cultura organizacional, e que esteve na semana passada no podbrand.

 

Ela formulou esta questão sem ter ideia de que seria você nossa próxima convidada.

 

E a pergunta dela, o que é felicidade pra você?

 

Pergunta profunda, né Maurice, e bonita.

 

Pra mim, felicidade, ao longo dos anos, ela tem sido cada vez mais pequenos momentos.

 

Pequenos momentos em que eu consigo estar tranquila comigo mesma, com a mente mais serena, mais tranquilizada, eu sinto que quando eu era mais jovem, tinha muito a ver com coisas que aconteciam, né, uma viagem, uma notícia boa que eu recebia, com algo que estava muitas vezes fora de mim.

 

E o que eu venho experimentando ao longo dos anos, é que tem muito mais a ver com o estado interno.

 

Então eu diria que felicidade é um estado interno, e que ele acontece ao longo do dia, né, pode acontecer quando eu encontro alguém, pode acontecer quando eu entendo algo, né, tem muito prazer no estudo, no conhecimento, de entender as coisas, nas pequenas observações que a gente faz no dia-a-dia.

 

Então eu diria que tem muito mais a ver com como a gente está internamente, do que como algo de fora, e que não é efusiva, grandiosa, ela é mais calma, serena.

 

Certo.

 

Interessante que este é o 72º episódio do Podbrand, e em 62 episódios talvez o único que eu tenha recebido uma pergunta tenha sido justamente com a Caroline, e ela me fez a mesma pergunta.

 

E a minha resposta é muito parecida com a tua.

 

Eu te sugiro assistir o episódio, eu acredito que tu vai te identificar com a minha resposta sobre a felicidade.

 

Se você pudesse fazer uma única pergunta ao nosso próximo convidado, ou convidada, qual seria?

 

Pensando já aí que a gente se aproxima desse final de ano, e que 2023 tem sido um ano difícil, em que a gente está assistindo conflitos acontecendo, a gente está vendo os resultados da mudança climática cada vez mais perto, em vários lugares do mundo, enfrentando ondas de calor muito intensas, então estamos sentindo isso no próprio corpo da gente, e esses efeitos estão cada dia mais visíveis e mais evidentes, pensando nisso, o que falta para que a humanidade desperte e se una para a construção de um mundo mais justo, mais equilibrado, e mais harmonia com a natureza?

 

Essa seria a minha pergunta.

 

Muito bem, muito bem, introspectiva, reflexiva.

 

Será feito ao nosso próximo convidado, na próxima semana, que será o último episódio de 2023.

 

Bem, Fernanda, foi um prazer imenso ter você hoje conosco, enriquecendo não apenas a nossa conversa, mas também o propósito do Podbrand, que é ajudar as pessoas a alcançarem sua melhor versão, o teu olhar apurado para o comportamento humano é fundamental para todos nós que buscamos construir marcas, negócios e uma vida com significado e relevância.

 

Além disso, é uma delícia escutar o teu sotaque poético mineiro.

 

Muito obrigado.

 

Maurício, eu que agradeço, gostei muito da conversa, de estar aqui falando sobre esses temas, que são temas que eu gosto muito, e é isso, né, esse espaço para conversa aprofundada é tão importante, às vezes a gente está numa sociedade mais, num ritmo de vida acelerado, e esse espaço para um aprofundamento, para uma conversa, é muito importante.

 

Então, parabéns pela sua iniciativa, por esses 62 episódios aí, né, é muito diálogo.

 

Já assisti alguns deles e desfrutei bastante, e estar aqui com você hoje me motiva a voltar em outros e conhecer mais sobre o conceito.

 

Excelente.

 

Muito obrigado, foi uma honra te ter no Podbrand.

 

Feliz Natal e um excelente Ano Novo, Fernanda.

 

Obrigada, Maurício, um Ano Novo muito bom para todos nós, né, que a gente chegue aí em 2024 com todos esses propósitos, assim, muito fortes, para que a gente faça a nossa parte para ter um ano bom.

 

Até breve.

 

Até.

 

Não deixe de visitar o podbrand.design e explorar todos os nossos episódios anteriores e descobrir as preciosas recomendações de leitura da Fernanda e dos demais convidados.

 

Faça um favor a nós e alguém que possa se inspirar, compartilhe este episódio e se inscreva em nosso canal, o mundo precisa de mais sonhadores e fazedores que buscam incessantemente a sua melhor versão.

 

Nos vemos no próximo episódio, aqui no Podbrand, o podcast do design.

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